Uma das grandes preocupações dos estudantes de Educação Física quando iniciam suas carreiras é definir seus pontos de interesse aos quais se dedicarão profissionalmente no futuro.
Já li e respondi diversos e-mails até de primeiro-anistas angustiados em busca desta definição. Será que é a hora dessa preocupação?
Se observarmos bem, veremos que a definição deste, digamos, foco de carreira, é um processo cuja magnitude normalmente se mede em anos e que passa por pelo menos três etapas distintas.
A primeira etapa é a etapa das descobertas. Em nossa área é comum que os colegiais sejam levados a escolherem os Cursos de Educação Física, ou por uma forte porém difusa identificação com atividades físicas, ou movidos por uma experiência anterior específica, como atletas nesta ou naquela modalidade. De uma forma ou de outra, o fato é que, ao iniciar seu curso, o acadêmico pouco ou nada sabe sobre inúmeras ocupações profissionais que lhe serão possíveis após a sua formatura.
Nesta fase, que se inicia quando o jovem entra na Faculdade, ele toma contato pela primeira vez com estas ocupações principalmente por conta das disciplinas de sua grade curricular, de eventos que lhe são oferecidos e da experiência de colegas dos anos mais adiantados. Aqui eu diria que a preocupação deve ser a de sondar e descobrir, sem muita pressa, o maior número possível destas atividades e ocupações.
No meio tempo em que esta etapa das descobertas acontece já se inicia naturalmente a segunda etapa, que é a da identificação. Nela o aluno começa a definir aquelas atividades que ele sente que gostaria de assumir, aquelas que ele até poderia assumir, e aquelas outras que ele só assumiria para não passar fome. Nesta altura é comum ocorrer aquela sensação incômoda de “tem várias coisas de que gosto e que, sinto, posso fazer bem”. Incômoda porque, a primeira vista, parece que seria bem melhor se uma única vocação aflorasse logo em nós de modo inequívoco.
Bem, para apaziguar os espíritos mais aflitos, eu diria inicialmente que esta sensação é absolutamente normal e muito positiva para as nossas possibilidades de trabalho. Simplesmente não devemos esperar que nos identifiquemos com apenas uma ou outra atividade profissional. Isso significaria ter um conceito muito reducionista de nós mesmos e de nossas capacidades, além de um risco estratégico enorme, porque e se não aparecer nenhuma oportunidade de trabalho naquela atividade que tanto esperamos e batalhamos? Ficaremos eternamente em busca dela? Até quando?
Estou convencido hoje que a maioria de nós tem um conjunto de identificações profissionais (ou se preferirem, de vocações), dentro das quais poderíamos perfeitamente atuar com relativo sucesso, boa competência e igual prazer. É preciso portanto manter a mente e o coração abertos. À medida que estas identificações se estabelecem, elas devem direcionar os investimentos de tempo e dinheiro (muitas vezes escassos) em congressos, cursos de extensão, simpósios, etc. É interessante notar que muitas vezes essas definições acontecem juntamente com um processo de amadurecimento pessoal, no qual o aluno deixa de ser um adolescente tardio e se transforma em um adulto feito.
Mas me entendam, não estou aconselhando ninguém a negligenciar, ainda na Faculdade, disciplinas ou áreas de estudo com as quais não se identifique. Ao contrário, entendo que o estudante tem que dar conta de todas as suas disciplinas, independentemente de seus gostos pessoais, pois acredito que colar grau o quanto antes deve também ser sempre uma prioridade do futuro profissional: o quanto antes ele se formar, tanto antes estará pronto para o mercado de trabalho, para batalhar “um lugar ao sol”.
Estabelecido e desenvolvido este conjunto de vocações, o estudante iniciará então a terceira e decisiva etapa que é a da operacionalização. Nesta fase, que se inicia ainda dentro da Faculdade e se estende pela vida profissional afora, o aluno deve efetivar um trabalho de intersecção das suas vocações com as oportunidades práticas que o mercado lhe disponibilizar, seja como estágios (ainda na fase acadêmica), seja como vagas de emprego propriamente ditas (já na fase pós-formatura). É dentro de nossas vocações que devemos selecionar as vagas pelas quais batalharemos nos inúmeros processos seletivos de que participaremos. E é deste “cruzamento” entre coração e oportunidades que nascerá gradualmente a nossa carreira profissional. Vocações sem oportunidades de desenvolvimento de nada adiantarão; e oportunidades de trabalho em áreas sem a nossa correspondente identificação desaguarão fatalmente em mediocridade e frustrações.
E na medida em que nos direcionarmos desta forma, nos dedicando àquelas atividades de que gostamos e cujas vagas conquistamos, a tendência é nos aprofundarmos em conhecimento, é ampliarmos a nossa visão desta atividade, é melhorarmos as nossas atuações e nos especializarmos em uma ou duas atividades principais. Especialização é, portanto, não uma opção primeira de quem ainda está começando na profissão, mas a conseqüência de uma carreira profissional sedimentada sobre aquilo que gostamos, que sabemos fazer bem e onde tivemos espaço para nos desenvolver.
Portanto, descobrir que gostamos de várias coisas ao mesmo tempo não é problema, mas muito pelo contrário, significa que o nosso leque de opções é amplo e que teremos mais chances de nos realizarmos e sermos felizes, ao agarrarmos as boas oportunidades profissionais quando elas surgirem.
Por : Prof. PAULO H. BONACELLA (Coordenador do Curso de Natação para a Comunidade da EEFEUSP) ao portal EF