Criatividade, resiliência e habilidades sociais podem ser ser melhoradas quando a criança se sente desafiada
Quando você leva seu filho ao parquinho, já parou para pensar quão desafiadores são aqueles brinquedos para ele? Se para você o escorregador parece pequeno, do ponto de vista dele, não é. O gira-gira pode dar o maior frio na barriga quando recebe um forte impulso. No vai e vem, o balanço pode alcançar uma altura considerável. Mas calma! Não precisa se preocupar. Brincadeiras que oferecem certo risco podem trazer diversos benefícios ao seu filho. Ao menos, é isso o que apontou um estudo feito em conjunto pela University of British Columbia e pelo Child & Family Research Institute do BC Children’s Hospital, no Canadá, e publicada no International Journal of Environmental Research and Public Health.
A análise consistiu em uma revisão sistemática de 21 publicações relevantes focadas em indicadores e comportamento associados a modalidades de brincadeiras consideradas de risco, assim como ambientes propícios ao desenvolvimento dessas atividades.
A conclusão principal é que crianças precisam da possibilidade de correr “riscos” para aprenderem sobre seus próprios limites. “Se arriscar é importante porque faz você entrar em contato com as suas possibilidades. Assim, você passa a se enxergar como alguém que pode muito mais”, explica a psicóloga e psicopedagoga clínica Ana Cássia Maturano. Mesmo que esse aprendizado se dê em uma área lúdica, como nessa análise ligada à atividade física, o ensinamento que ela propicia, mais tarde, poderá ser aplicado a outros aspectos da vida. “A tendência humana é de generalizar posturas. Experiências nos ensinam novos modos de lidar com as situações em geral”, completa. Isso significa que uma criança que topa desafios e situações de risco nas brincadeiras, mais tarde, quando for adulta, pode ter a mesma coragem na hora de tomar outras decisões arriscadas, como mudar de emprego, morar fora do país, empreender em um negócio próprio ou até mesmo começar um novo relacionamento.
Brincadeira ao ar livre: mais espaço e possibilidades
Mas não é só isso: brincadeiras em áreas externas consideradas arriscadas por pais – como escalar, subir em lugares altos e pular – são positivas tanto para a saúde das crianças, por representarem uma atividade física, quanto por encorajarem a criatividade, as habilidades sociais e a resiliência. O primeiro item, porque não é possível criar nada sem se arriscar de certa forma. O segundo, porque nesses espaços as crianças interagem com outras: exercitam a cooperação, vencem a timidez e fazem amigos. E o último, porque superando desafios na brincadeira, elas aprendem a não desistir.
Nesse sentido, playgrounds e áreas abertas com elementos naturais, como árvores e plantas, obstáculos com diferentes alturas e espaço suficiente para correr livremente, oferecem possibilidades que o brincar dentro de casa não contempla. “A criança se diverte em qualquer canto, mas uma área ao ar livre permite mais movimento: dá para pular corda, chutar bola… Existe a possibilidade de usar mais o corpo”, explica a psicopedagoga.
Encorajar x amedrontar
Mas qual é o limite entre encorajar a criança a embarcar em desafios, para que ela supere seus medos, e criar um filho imprudente, sem noção de perigo? “O medo é fundamental porque é um sentimento que nos preserva. O que deve ser superado é o medo das pequenas coisas, como o de rebater uma crítica ou expor uma opinião”, explica Ana Cássia.
Por isso, é importante nunca obrigar seu filho a fazer algo que ele claramente não quer porque tem medo. Ele não está a fim de subir naquele escorregador que parece ameaçador demais? Não insista. Aos poucos, reintroduza a ideia, mostrando que ele não está sozinho. Se ofereça para acompanhá-lo no brinquedo: fale que você vai segurar a mão dele durante todo o tempo, que não vai deixá-lo cair, ou que estará à espera dele no final da descida. Assim, a confiança vai sendo adquirida. “É preciso perceber que algumas ações que parecem bobas para você, são relevantes para a criança”, completa a Ana.
Segurança é importante, sim!
Permitir que a criança se arrisque e se supere não significa negligenciar sua segurança e seu bem-estar. Por isso, é interessante prestar atenção a alguns detalhes antes de escolher o local da próxima brincadeira. “Nos parquinhos, é importante verificar se os brinquedos são seguros, sem pontas onde as crianças possam se ferir e sem partes enferrujadas. Outro cuidado é com o piso, que deve absorver o impacto (como um gramado ou emborrachado), diminuindo a chance de acontecer uma lesão mais séria em caso de queda”, recomenda a coordenadora nacional da ONG Criança Segura, Gabriela de Freitas.
Outro cuidado está na escolha das roupas: calças com a barra comprida demais, cordões, cadarços desamarrados e cachecóis podem enroscar nos brinquedos ou até ocasianar tropeços. Muitas vezes, um comportamento mais agressivo ou entusiasmado demais entre as próprias crianças também pode aumentar os riscos de acidente, por isso a orientação e a supervisão de um adulto são indispensáveis. “É interessante estabelecer certas ‘regras’ de comportamento como: não empurrar, não dar encontrões, não se amontoar e não passar por trás da balança em movimento”, explica Gabriela.
Matéria publicada na Revista Crescer