Para quase 2 milhões de brasileiros, viver é uma experiência dolorosa. Esse é o número estimado de pacientes de uma doença crônica progressiva que, se não diagnosticada a tempo, pode incapacitar, provocar deformidades e roubar a qualidade de vida de homens e mulheres no auge da fase produtiva. Caracterizada principalmente pela dor e pela fadiga, a artrite reumatoide atinge de 0,4% a 1% da população mundial e, como as causas não são completamente conhecidas, ainda é uma enfermidade incurável. A boa notícia é que, nos últimos anos, o arsenal farmacológico e terapêutico tem melhorado os prognósticos desse problema autoimune, e pesquisadores estão alcançando resultados promissores na busca de medicamentos mais eficientes para enfrentá-lo.
Em um passado não muito remoto, fazer tratamento de artrite reumatoide significava, necessariamente, sofrer efeitos colaterais piores que os da própria doença – a única terapia eram doses cavalares de corticoide – e desenvolver deformidades irreversíveis, principalmente nos dedos. No fim da década de 1990, a chegada dos medicamentos modificadores da resposta biológica transformou o curso da enfermidade. As drogas modernas são capazes de desacelerar a progressão da artrite e prevenir os danos nas articulações – hoje, se a cura é impossível, busca-se, contudo, a remissão – quando a doença ainda existe, mas em estado dormente.
“Os medicamentos biológicos são extremamente eficazes e não trazem os efeitos colaterais dos corticoides, que ainda tinham um resultado limitado. Na última década, também por causa do diagnóstico mais precoce, é muito raro a doença evoluir para as deformidades”, observa Sandra Andrade, reumatologista do Hospital Santa Lúcia e ex-presidente da Sociedade de Reumatologia de Brasília. Todos os estudos sobre a doença reforçam que, quanto mais cedo se iniciar o tratamento, melhor o prognóstico.
Atualmente, os corticoides continuam prescritos, principalmente no início da enfermidade. Agora, porém, as doses são mais seguras, e esses medicamentos são usados em conjunto com os chamados modificadores do curso da doença, que atuam de forma a evitar a progressão da artrite. “Na maioria dos casos, os pacientes conseguem ter uma vida normal, trabalhar e se divertir com sua família e seus amigos. Como, atualmente, temos um grande arsenal de tratamentos disponíveis e novas pesquisas sempre em vista, cada vez mais, alcançaremos esse estágio no tratamento e na qualidade de vida dos pacientes”, garante o reumatologista Thiago Bitar, especialista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Entre 20% e 25% dos pacientes precisam das terapias biológicas.
Quando, porém, já existem danos, a abordagem cirúrgica pode ser recomendada. “Se os medicamentos não conseguem prevenir ou retardar o dano articular, o paciente e o médico podem considerar a cirurgia para reparar articulações danificadas”, esclarece o ortopedista Pedro Labronici, professor da Faculdade de Medicina de Petrópolis, no Rio de Janeiro.
Outros alvos
Os pesquisadores continuam em busca de novas terapias, baseados em compreensões recentes sobre o funcionamento do sistema imunológico e, principalmente, da genética. “A cada dia, sabemos mais sobre a doença, mas ainda não conhecemos todos os alvos terapêuticos. Os cientistas estão descobrindo moléculas e marcadores de atividades da artrite reumatoide”, explica a reumatologista Licia Mota, coordenadora da Comissão de Artrite Reumatoide da Sociedade Brasileira de Reumatologia, professora da Universidade de Brasília (UnB) e responsável pelo Ambulatório de Artrite Reumatoide Inicial do Hospital Universitário de Brasília (HUB).
De 10 anos para cá, pelo menos cinco estudos financiados por institutos nacionais de saúde dos EUA fizeram importantes descobertas a respeito de genes envolvidos no desenvolvimento da doença. Somente nos últimos cinco meses, o PubMed, maior banco de dados mundial de artigos científicos, indexou nada menos que 2.182 publicações que citam a artrite reumatoide. As investigações variam dos mecanismos moleculares da enfermidade à possível influência dos ciclos solares sobre o desencadeamento das crises.
“É preciso desenvolver novas abordagens terapêuticas para o tratamento da doença. Algumas pessoas não respondem aos medicamentos biológicos e, às vezes, eles perdem a eficácia”, justifica Mark T. Quinn, professor do Departamento de Microbiologia e Imunologia da Universidade Estadual de Montana, nos Estados Unidos. O cientista americano está pesquisando uma substância que bloqueia uma enzima associada à resposta inflamatória intracelular. “Embora estejamos relativamente longe dos estudos clínicos (realizados em humanos), esses compostos foram promissores em nossos estudos pré-clínicos”, diz.
Contribuição brasileira
As pesquisas concentradas na artrite reumatoide não se resumem, contudo, à busca por novas drogas. Uma importante parte do manejo da doença diz respeito às terapias não medicamentosas, e, para isso, é necessário investigar o perfil dos pacientes, a forma como respondem a atividades físicas, além dos aspectos emocionais. Nesse sentido, destaca-se um grupo de pesquisadores do HUB, que, sob a coordenação da reumatologista Licia Mota, acompanha há 12 anos pessoas com diagnóstico inicial de artrite reumatoide, ou seja, menos de 12 meses desde o surgimento dos sintomas. A cada três meses, 136 pacientes são avaliados para a realização dos estudos da chamada Coorte Brasília de Artrite Reumatoide Inicial.
Coordenados por Licia Mota, os pesquisadores avaliaram a qualidade de vida dos pacientes, a frequência de vacinação e orientação sobre imunizações, o papel do diagnóstico por imagem e a prática de exercícios físicos, entre outros fatores. Atualmente, realizam estudos para verificar se a verminose poderia explicar a fadiga, um sintoma comum da doença. Também investigam a adoção de métodos alternativos pelos pacientes. A reumatologista conta que até urina de cavalo alguns bebem, acreditando que serão curados. “É o desespero. É uma doença que não tem cura, só controle. As pessoas querem ter esperança, e, para isso, podem fazer qualquer coisa”, afirma.
Responsável pelo Ambulatório de Artrite Reumatoide Inicial, Licia Mota lamenta que nem todos os pacientes tenham a oportunidade de tratamento oferecido pelo Hospital Universitário de Brasília (HUB). Lá, eles fazem acompanhamento clínico e laboratorial, praticam atividade física supervisionada, recebem orientação de terapeutas ocupacionais e ainda têm acesso ao serviço de odontologia. Quase tudo graças à dedicação de voluntários. O serviço é “mantido a duras penas”, segundo a coordenadora, mas, ainda assim, consegue oferecer um arsenal terapêutico gratuito e de alta qualidade.
O Sistema Único de Saúde (SUS) fornece todos os medicamentos de artrite reumatoide, incluindo os biológicos. Contudo, especialistas ressaltam que o atendimento não medicamentoso deixa a desejar. “O ideal é uma ação interdisciplinar, mas o desafio é viabilizar isso para os pacientes que não podem pagar uma clínica particular”, observa o educador físico Frederico Santos de Santana, voluntário do HUB. “O cuidado tem de ser integral, não da doença, mas da pessoa”, defende Licia Mota. O Ministério da Saúde informou que fornece terapia ocupacional, exercícios, fisioterapia, e apoio psicossocial aos pacientes. Questionado sobre a amplitude dessa oferta, o órgão não respondeu à reportagem.
A reumatologista Licia Mota aponta outras dificuldades comuns a pacientes da América Latina, de acordo com estudo sobre a realidade na região: “Muitos pacientes demoram para ter o diagnóstico, passam pelo ortopedista, pelo clínico… Às vezes, a pessoa mora a 12, 13 horas do local de tratamento”, observa. Foi o que ocorreu com a professora Maria Erciliana Conceição de Lima, de 53 anos. Há nove, ela começou a sentir dor no ombro, no fêmur e no punho. No início, achou que era dos movimentos que faz para escrever no quadro-negro. Mas a febre diária a fez procurar o serviço de saúde da cidade de Santana, na Bahia, a 674km de Brasília.
No hospital, foi diagnosticada apenas com reumatismo – termo genérico para uma série de doenças caracterizadas pela inflamação das articulações. O tratamento, ao longo de quatro anos, foi tomar injeções de penicilina. “Fui só piorando”, conta. Ela se mudou para Brasília e começou a se tratar no Hospital Universitário. Apesar de ter melhorado, a demora no diagnóstico correto deixou suas marcas. “Tem dia que não consigo nem levantar o braço para lavar meu cabelo. Quando está muito calor, sinto meu corpo todo formigando.”
Matéria publicada no site UAI