Algumas pessoas estão condenadas à obesidade?

Todo mundo conhece alguém que come como um boi e ainda assim é magro feito um palito, enquanto outros acumulam quilos só de pensar
 
Todo mundo conhece alguém que come como um boi e ainda assim é magro feito um palito, enquanto outros acumulam quilos só de pensar em comida. Existem várias explicações para essa diferença na hora de subir na balança: prática diária de esportes, alimentação saudável, genética. Mas no cerne da questão está o metabolismo, a soma de reações químicas que acontecem no corpo. É claro que há mais que um simples saldo entre calorias ingeridas e aquelas queimadas com exercício, mas muito da noção popular de metabolismo não resiste a uma análise mais aprofundada. O que explica essa diferença no metabolismo das pessoas? E será que podemos usar esse conhecimento para assumir o controle do nosso peso?
 
No século XVII, o médico Santorio Sanctorius lançou o primeiro estudo sobre metabolismo. Por três décadas, ele usou uma “cadeira de pesagem” especialmente construída para registrar seu peso antes e depois de comer, dormir, trabalhar, fazer sexo e excretar. Também pesava a comida e a bebida que consumia e seus produtos residuais. Através desses estudos rigorosos – e às vezes sujos –, descobriu que, para cada 3,6 quilos de comida consumida, eliminava apenas 1,4 quilo. O restante, concluiu, era perdido através da pele como “transpiração imperceptível”.
 
Hoje sabemos que as gorduras, carboidratos, proteínas e álcool que consumimos entram em nossas células e servem de alimento a uma complexa rede de trilhas bioquímicas, que ao final do processo geram energia. Qualquer excesso é canalizado a um dos dois armazenamentos de energia: glicogênio no fígado e músculos e, quando eles estão cheios, gordura. O regulador central do metabolismo é a glândula tireoide, um órgão em forma de borboleta que se situa na parte frontal do pescoço e libera hormônios que aceleram o ritmo em que as células geram energia. “Se a sua glândula tireoide é hiperativa, você vai sentir muito calor e comer uma quantidade enorme, mas será magro como um pau de virar tripa”, diz Steve Bloom, chefe da divisão de diabetes, endocrinologia e metabolismo do Imperial College London. O hipotireoidismo, por outro lado, faz que as pessoas se sintam frias e úmidas e percam o apetite, mas ganhem peso mesmo assim. Ambas as condições afetam cerca de um a cada mil homens. Mulheres são mais propensas a ter problemas nessa área: cerca de dez a cada mil têm uma tireoide hiperativa, e 15 a cada mil são afetadas por hipotireoidismo. “A taxa metabólica pode controlar o tamanho corporal”, diz Bloom. “O problema é que as pessoas extrapolam e dizem: ‘Tenho um defeito metabólico, por isso sou gordo’.” Provavelmente não é tão simples.
 
INATIVIDADE CONSOME ENERGIA
 
É possível medir a taxa metabólica de repouso de uma pessoa colocando-a numa câmara metabólica, um pequeno cômodo onde ela passa algo em torno de 24 horas. Durante esse tempo, a quantidade de calor que a pessoa libera, o oxigênio que consome, o dióxido de carbono que produz e o nitrogênio que excreta são cuidadosamente medidos para calcular o gasto total de energia. Comparar pessoas obesas e magras dessa maneira produziu algumas surpresas. “Se você mede uma pessoa obesa em repouso e uma pessoa magra em repouso, a obesa na verdade estará gastando mais calorias”, diz David Stensel, da Loughborough University, no Reino Unido. Como assim?
 
Antes de mais nada, pessoas maiores têm mais células para manter em funcionamento. Mas não é só o número de células que conta, o tipo também importa. Células musculares queimam calorias cerca de três vezes mais rápido que células de gordura, mas estão longe de ser as mais ávidas por energia. Durante o repouso, um quilo de músculo queima apenas 13 calorias por dia. Já a mesma quantidade de tecido cardíaco ou renal queima 440 calorias. “Embora as pessoas obesas tenham mais gordura, elas têm uma quantidade maior de massa magra e tendem a ter órgãos maiores”, diz Stensel.
 
Essa é uma má notícia para os que têm esperança de acelerar a taxa metabólica através do aumento dos músculos? Substituir um quilo de gordura por um quilo de músculo significa que você vai precisar de cerca de nove calorias extras por dia – não é exatamente carta branca para comer tudo o que quiser. Ainda assim, ter uma proporção músculo/gordura relativamente maior de fato serve para explicar por que homens necessitam de mais calorias diariamente do que as mulheres. Também explica por que a necessidade de energia das pessoas cai ligeiramente com a idade. Um homem de 20 anos, por exemplo, tem cerca de cinco quilos a mais de músculos do que um homem de 60 anos.
 
A taxa metabólica em repouso não é tudo: quanto mais ativo você for, mais você queima. Então qual é o segredo de quem é magro de ruim? Uma possibilidade é que a pessoa seja mais ativa do que imagina. James Levine, da Mayo Clinic, em Minnesota, recrutou 20 autoproclamados sedentários – alguns esbeltos, outros ligeiramente obesos. Todos receberam sensores para monitorar movimentos e postura por dez dias. Nenhum deles fez exercício: os ligeiramente obesos ficaram sentados duas horas e meia a mais por dia – deixaram de gastar 350 calorias por dia. “Isso é mais que suficiente para explicar como alguém ganha peso com o passar do tempo”, diz Stensel.
 
Não deveríamos também descartar a noção de que algumas pessoas simplesmente são mais predispostas a ganhar peso que outras. Claude Bouchard, do Centro de Pesquisas Biomédicas Pennington, em Baton Rouge, Louisiana, recrutou 12 pares de gêmeos idênticos que se dispuseram a acumular quilos em prol da ciência. Por duas semanas eles comeram normalmente, enquanto Bouchard calculava de quantas calorias eles precisavam por dia para manter o peso. Então, Bouchard alimentou-os com um excesso de mil calorias por dia, seis dias por semana, durante 14 semanas – o equivalente a 84 mil calorias por pessoa.
 
Entre os gêmeos de cada par o ganho de peso foi muito semelhante, mas houve uma variação de três vezes entre os diferentes pares de gêmeos. “A diferença foi de até 12 quilos”, diz Bouchard. Um estudo subsequente com outros gêmeos demonstrou um padrão similar de variação na quantidade de peso perdido em resposta ao exercício. Tais estudos sugerem fortemente que fatores genéticos controlam nossa propensão para ganhar peso. Mas como?
 
Ao longo das últimas duas décadas, Bouchard e seus colegas têm tentado trazer à tona algumas respostas. Até agora, identificaram cinco fatores que consistentemente preveem um ganho maior de peso: baixa massa muscular, baixo condicionamento físico geral, baixos níveis de testosterona (que estimula o crescimento muscular), ser menos sensível à plenitude do hormônio leptina e queimar menos calorias da comida diretamente como combustível. “Nenhum deles é a resposta certeira”, diz Bouchard. “Mas temos, sim, algum controle sobre alguns deles.”
 
Isso sugere que o corpo de algumas pessoas simplesmente é melhor em lidar com o excesso de comida sem ganhar peso. É uma ideia que tem o apoio de Daniel Bessesen, da Universidade de Denver, no Colorado. Seus estudos mostram que pessoas “resistentes à obesidade” respondem ao excesso de comida queimando mais gordura que pessoas “propensas à obesidade” enquanto estão dormindo. “O sono é um período importante no qual o cérebro assimila informação do dia em termos de memórias, mas imagino se isso também seria verdade para o metabolismo de nutrientes”, diz Bessesen. “O cérebro tem de decidir ‘quanto foi que comi hoje’ e então queimar essas calorias ou ajustar a ingestão de comida para o dia seguinte.”
 
Na opinião de Bessesen, uma razão pela qual tem sido tão complicado destrinchar as diferenças entre propensos à obesidade e indivíduos resistentes a ela é que a maioria dos estudos compara o metabolismo das pessoas ao longo de 24 horas, o que é apenas um retrato instantâneo. Ele vê a obesidade como uma falha no sistema geral de detecção de nutrientes, então para entendê-la é preciso uma abordagem holística, que observe o metabolismo, o apetite e o movimento ao longo de dias ou semanas.
 
Usando essa abordagem ele descobriu que, dois dias após comer em excesso, pessoas resistentes à obesidade relatam uma aversão a comidas ricas em energia, como bolos, e o cérebro fica menos reativo a imagens de comida em comparação com indivíduos propensos à obesidade. “Não acho que é uma única coisa, é toda uma resposta corporal a comer em excesso que simplesmente funciona melhor numa pessoa magra do que numa pessoa propensa à obesidade”, disse Bessesen.
 
O que está claro é que o metabolismo é muito complicado, então qualquer um que sugira uma solução rápida para impulsioná-lo estará sendo dissimulado. Mas não se desespere: há algumas coisas que você pode fazer para ajudar. Embora seja irritante que pessoas permaneçam magras com pouco esforço, se você adotar hábitos novos e mais saudáveis, ao longo do tempo eles surtirão efeito no seu peso.
 
MITO OU VERDADE?
 
O que a ciência diz em relação a  algumas crendices populares
 
METABOLISMO MAIS ACELERADO
Geralmente é o contrário: quanto maior você for, mais calorias precisa queimar para manter seu corpo em funcionamento. Mas pode haver algumas exceções. Mutações num gene chamado KRSZ, que reduz a habilidade das células de metabolizar glicose e ácidos graxos para fornecer energia, são duas vezes mais comuns em pessoas obesas do que nas esbeltas.
 
MITO > PESSOAS MAGRAS DIGEREM MENOS COMIDA
Quando um professor do Centro de Pesquisas Biomédicas Pennington comparou fezes de pessoas, encontrou pouca diferença no conteúdo de energia, independentemente da predisposição dessas pessoas para ganhar peso. Cerca de 3% das calorias consumidas são excretadas em matéria fecal. “Isso não muda após comer em excesso.”
 
VERDADE > VOCÊ CONTINUA QUEIMANDO CALORIAS DEPOIS DE FAZER EXERCÍCIOS
Depois de se exercitar, o metabolismo fica acelerado enquanto o corpo se recupera e se repara. Essa “pós-queima” dura até 24 horas, dependendo da duração e da intensidade do esforço. O efeito tende a ser mais longo após exercícios de resistência, como treinamento com pesos, do que com exercícios de duração.
 
MITO > COMER COM MAIS FREQUÊNCIA ACELERA O METABOLISMO
Comer acelera temporariamente a taxa metabólica, mas também afeta a resposta do corpo à insulina – o hormônio que regula os níveis de glicose no sangue. Num estudo recente, homens receberam uma mesma dieta: três refeições ou 14 lanches.  Aqueles que comeram com menos frequência tiveram taxas metabólicas mais altas, sentiram menos fome e tiveram melhor controle da glicose no sangue.
 
MITO > COMA GORDURA PARA QUEIMAR MAIS GORDURA
Uma análise de dez estudos encontrou pouca diferença na taxa metabólica geral das pessoas, independentemente de terem ingerido uma dieta de alta gordura e baixo carboidrato, como a dieta Atkins, ou uma de baixa gordura e alto carboidrato. As proteínas podem fazer diferença, entretanto. Pessoas que comeram uma dieta de alta proteína e baixo carboidrato queimaram entre 60 e 120 calorias extras por dia, possivelmente porque as proteínas requerem mais energia para ser digeridas do que os carboidratos refinados.
 
MITO > VOCÊ TEM DE “SENTIR QUEIMAR” PARA TER RESULTADOS
Correr a 6 km/h queima exatamente o mesmo número de calorias que caminhar a 6 km/h, o que realmente importa é a duração. Digamos que uma pessoa de 73 quilos queima 74 calorias por quilômetro correndo a 11 km/h e 52 calorias por quilômetro caminhando à metade dessa velocidade. Se caminhar dois quilômetros, ela queimará 30 calorias mais do que se corresse um quilômetro.

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